Por João Ferraz – A canela, uma especiaria dos deuses, vem da casca de uma árvore, a caneleira, e sua origem é asiática. Chegou ao Brasil através dos colonizadores, e aqui se adaptou perfeitamente, principalmente no sul do país. Quando ralada possui uma cor marrom acastanhado. Muito usada na culinária, tanto doce como salgada, esquenta o coração e também a libido. O nome canela vem do latim cannella que significa “tubo pequeno”, que é o formato que a casca adquire quando retirada da árvore. Em inglês chama-se cinnamon eu gosto do som dessa palavra e, além disso, adoro um pão doce estadunidense chamado ‘cinnamon holl’, isso sim que é dos deuses.
Morei no Rio de Janeiro por 50 anos. Nunca havia pensado em me mudar! E nas poucas vezes que essa ideia vinha, como uma remota possibilidade futura, eu pensava em capitais do nordeste. Mas quem manda é o destino, e esse cara é meio troglodita. Abriu uma porta, me deu um “pedala Robinho”, um belo ponta pé na bunda e fez-me mudar de vida completamente.
Mudei-me para Canela há três anos. Vim para ficar mais perto dos meus pais que já estão numa idade que precisam de um cuidado maior e para me curar. Apesar de amar o Rio, onde estão minhas raízes e memórias, lá, eu estava bem doente, apático, sem energia, sem trabalho, sem grana, preso a vícios e a relacionamentos envelhecidos. Canela surgiu como uma possibilidade de ser a minha Canaã, ou com menos poesia, meu hospital.

Cheguei na terça-feira de carnaval e achei bastante auspicioso. Fui dar um passeio pela cidade e quando cheguei à praça principal estava tendo a apresentação do Bloco dos Artistas, com os artistas canelenses se apresentando no palco. Muito samba rolando e até a bateria da Liga Carnavalesca e até a rainha da bateria estava presente. Senti-me em casa e logo me juntei aos foliões!
Aluguei uma casinha bem bacana no Centro, próximo ao Parque do Lago, atrás da Catedral de Pedra. Aprendi que aqui é assim que se fala onde mora e não pelo nome da rua. Minha filha mais nova veio morar comigo. Santa salvação! Então juntos, começamos a desbravar Canela. Conhecemos a FLONA, a Floresta Nacional de Canela que para os canelenses tem o apelido de IBAMA. Fomos voluntários para limpar uma das trilhas. Nesse dia, conhecemos diversas pessoas, o Grupo de escoteiros, o chefe da Flona, o pessoal do grupo Ecorumo, e a Isabel que nos deu carona de ida e volta, levou pinhão cozido para a galera e com grande maestria organizou o almoço para a turma toda. Uma pessoa engajada na questão ambiental e que me convidou a participar de movimentos da cidade.
O teatro fez parte de um grande momento da minha vida e foi profundamente transformador. Chegando a Canela, que já abrigou o Festival Internacional de Teatro, achei que podia retomar essa história neste novo momento da minha vida. E nessa busca encontrei Lisi que além de abrir as cortinas do teatro, trabalhou com minha cabeça como nos meus melhores momentos de terapia. Senti-me provocado, colocado em movimento, desnudando as minhas couraças e novamente sentindo esperança e liberdade.
A teoria do caos, diz que pequenos movimentos produzem consequências imensas no futuro, o exemplo mais conhecido é o efeito borboleta, onde o bater das asas de uma borboleta em Canela pode produzir um furacão no Japão. Soube que aos sábados pela manhã acontecia a Feira Ecológica no espaço Canela Rural. E lá fomos eu e minha filha, ver qual é dessa feirinha. No Rio eu não perdia a feira livre no bairro da Glória. Sempre gostei desse buchicho. Chegando lá, vi que era diferente, mas também era parecido. Tinha um viés familiar e me trazia uma sensação de saúde. Produtos orgânicos, artesanato e, o principal, pessoas. Encontrei amigos e hoje sou um dos feirantes. Ô sorte!
Com os amigos vieram projetos, vivências e convivências. Mas ainda sentia falta de algumas coisas do Rio como um bar para chamar de meu, festas na rua e o mar. Cada vez mais, tenho certeza que o nosso Lar está dentro da gente e nas pessoas que escolhemos como parceiros. Conheci Jefe, e nessa parceria, montamos um bar na feirinha, o Ecoboteco. Fizemos também um bloco de carnaval, o Sebo nas canelas, festa junina “Um arraiá dus bão” e a festa ecotober, uma adaptação da festa alemã. Tudo na rua! E para finalizar a tríade, o cara ainda me convidou para passar o meu primeiro ano novo de Canela na casa dele na praia. Não era o mar do Rio, mas era o Mar.
Curei-me!
Eu me reencontrei com a natureza, com a arte, com a saúde e com o amor. E parafraseando o grande filósofo Nietzsche – “é preciso um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante”.
Ah! Quando cheguei não sabia o que procurava, achei uma caneleira, abracei a árvore, encostei meu nariz em seu tronco e inalei o seu perfume maravilhoso. Faço isso todos os dias desde que estou aqui!
(*) Texto produzido para o projeto Santa Sede, uma parceria com o Te Liga,Canela!